Em 2010, junto dos padres Paulo Bezerra, Dimas Carvalho, Morelli, Devair e outros, construíram a Igreja Povo de Deus em Movimento, minha escola de formação de fé. Na IPDM meus amigos e eu tivemos um enorme privilégio de aprender com esses grandes profetas. Conheci a energia magistral do Ticão de conduzir reuniões, de sua mediação impecável e de seu modo singular de driblar a velha política e conquistar direitos para o povo, costurando a democracia como biografia de um povo, em conquistas e em avanços. Tudo isso, por meio de grandes atos, inúmeras reuniões, celebrações de compromisso com os mais pobres e de um incomensurável amor pela coletividade.
Fomos os jovens presenteados com sua inquietude. Inúmeros momentos do Ticão conosco nos ensinaram muito, momentos que ele e o Padre Paulo ficavam lá acompanhando a gente, nos ouvindo e mostrando as complexidades das lutas. Sempre fomos esses dois polos: no Ermelino e em Itaquera. As incríveis semanas das Juventudes do Ermelino sempre tinham a presença dele passando por lá e animando-nos… Aprendemos que história vem antes de nós, e entendendo o caminho passado, podemos intervir no presente. Esse senso de história, nos encarnou nas lutas do Ticão por moradia, por saúde integral, por políticas públicas. Foi com ele que aprendemos a fazer debates com os candidatos a cargos públicos. Foi com ele que aprendi pela primeira vez o que era uma análise de conjuntura.
Encontros memoráveis com o Salão São Bento repleto de pessoas de toda a cidade. Agitação que ele trazia junto com o Luís França, Deis e Waldir Augusti. Trouxe para nós gente como Leonardo Boff, Rudá Ricci, Fernando Altemeyer, Plinio de Arruda Sampaio, Luiza Erundina, Frei Betto, Pe. Frizzo, para conhecermos, para ouvirmos, para nos envolvermos na história. Bastião da articulação de grandes movimentos sempre foi da escola da agitação política pela informação em panfletos, levando ao conhecimento do povo informações que nos brindava com esperança e utopia.
Foram nas Cartas à Comunidade a escrever os 10 compromissos para uma cidade mais justa e sustentável que aprendemos que política se faz com metas, busca de consensos mínimos e construção do inédito viável – essa capacidade que o Ticao tinha de trazer o inédito (políticas públicas nunca antes vistas até a democratização) de maneira viável para a Zona Leste de SP.
Ticão puxou os dois livros monumentais em homenagem a Dom Angélico e Dom Paulo Evaristo Arns. Se Ticão tinha como referência esses dois bispos, aprendemos sobre eles, a partir de seus gestos, numa vida totalmente entregue ao comum.
Nos últimos anos, com o agravamento do fascismo no Brasil, Ticão sofreu junto de sua Paróquia, muitas perseguições. Católicos ultraconservadores o perseguiram e na ocasião fizemos um poderoso ato em sua defesa e defesa da liberdade religiosa na Paróquia São Francisco.
É impossível imaginar o salão de São Bento, onde ocorrem as maiores plenárias da Zona Leste, sem ele sentado numa cadeira de canto, mexendo no celular ao disparar suas centenas de torpedos informativos.
Foi de Dom Angélico que ouvimos que o Ticão era o grande trator da Zona Leste: “um trator de Deus”. Porque com ele, a letargia política se disseminava. Ele pressionava mudanças, fazia ligações, reuniões e, se ignorado, espalhava folhetos, informativos e inúmeros documentos. Com o Ticão, uma geração gigantesca de cidadãos surgiu. Uma senda de pensadores periféricos, de mandatos coletivos, de candidaturas populares e de jovens engajados.
A memória de sua sala entrando à direita na Paróquia São Francisco de Assis – Ermelino Matarazzo, é de entrar lá com questões e dúvidas e sair de lá com o coração em brasa e a mão cheia de papel para panfletar.
Nos últimos anos, Ticão tinha mostrado um domínio invejável na medicina preventiva. Apresentava inúmeros dados e discutia em todos os lugares que o caminho de uma saúde pública gratuita e universal era na prevenção. Era na garantia da Saúde da Família, era no famigerado investimento público que a Zona Leste nunca teve.
Ticão criou as Escolas da Cidadania que têm a raiz da formação e ação. Com a Escola da Cidadania, ele dizia: “Nós assumimos a história que o território é nosso” e ela nasce como a IPDM do vazio do período vivido pelo duro inverno eclesial vivido nos anos 90 e 2000. E, assim nasceu a primeira Escola da Cidadania do Brasil, a Escola da Cidadania Pedro Yamagushi, em homenagem ao filho do Paulo Teixeira-.
A sua última ligação para mim foi no dia 10 de dezembro, pedindo o telefone do Celio Turino para tentarmos chegar ao Papa Francisco uma carta sobre Cannabis Medicinal. Por quê isso? Porque ele trazia no coração o amor desmedido por tantos/as que sofrem de epilepsia e de tantas doenças que o uso medicinal da cannabis serviria de apoio, de alento, de cuidado.
Ticão viveu sua vida sendo de todos. Crítico, articulador, pragmático, esse querido padre, amigo e mestre, que nos chamava carinhosamente de cardeais leigos da Zona Leste, deixa em nós sua presença gigantesca de amor à Casa Comum.
Obrigado, Ticão. Você partiu cedo, cedo demais. Mas para nós sempre será o Ticão. Padre da Igreja da América Latina e a partir de hoje, padroeiro da Zona Leste de São Paulo. Ore por nós, tão frágeis e desolados que seguimos seu caminho rumo à estrada de Jesus.
Eduardo Brasileiro, 01/01/2021.
Vídeo no Programa Paz e Bem sobre o Pe. Ticão: https://www.youtube.com/watch?fbclid=IwAR3rhb-jg7FbJTUnvOKOe38xn8iTIuhV9sWbgZnuFOotF6XDiomOrQD0PtI&v=t9JnpWpoNNQ&feature=youtu.be
Memorial do Pe. Ticão: